
Chegou aqui em casa um livro do Le Jazz, escrito pelo Luiz Américo. Ainda não li, mas o troço é bem embaladinho e conta o que, para mim, é uma das histórias mais subestimadas da gastronomia paulistana recente. Eu já consigo ouvir o barulho do chilique antes mesmo de me explicar e de te irritar de verdade.
O Le Jazz nunca se pretendeu um bistrô de foodies. Até foi, bem lá no início, quando era impossível conseguir uma mesa. E aí, por não contemplar a classe de comedores do circuito conhecido e ter feito sucesso, expandido, aberto novas unidades, ele se tornou meio inimiguinho do meio foodie. E, de certa forma, com razão. O público que frequenta o Le Jazz parece ter uma relação menos comprometida com só a comida – pessoas que saem para desfrutar mais da mesa do que dos pratos à mesa. Também tem bastante mauricinho de Vans (ô, raça), playboy de Vert (ô, raça) e patricinha tomando seus espumantes e aperóis. Dividir o mesmo salão com essas pessoas? O foodie não gosta.
**(PEQUENO INTERLÚDIO PARA A DEFINIÇÃO DE FOODIE (texto que escrevi em 2016, no Facebook)

Mas a verdade é que a gente deveria agradecer ao Le Jazz. Em primeiro lugar porque, se esse público está frequentando uma casa a que você não vai, esse mesmo público não vai se sentar ao seu lado nas casas a que você vai. Olha que vitória, irmão. Em segundo, e muito mais importante, é porque, justiça seja feita, o Le Jazz meio que inaugurou a boa cena de comida no bairro de Pinheiros/Vila Madalena. Antes dele, quem tava lá sabe, existia pouca gente por aqui – o Chou e o Arturito e nem sei se tinha mais alguém relevante, talvez o São Cristóvão e o Sabiá, mais na linha “botecos de boa comida”. Quando o Le Jazz chegou, a Rua Dos Pinheiros era um inferno com El Kabong, Twin Burger e o que mais houvesse de pior no quesito “boa comida”. A chegada do Le Jazz talvez seja o marco que define a transição de Pinheiros como um bairro senil e de classe média para um destino gourmet para quem vem de São Paulo ou a São Paulo, do resto do Brasil e do mundo. Foi muito clara a transferência de status dos Jardins, que foi ficando no esquecimento, apenas com restaurantes irreputados (hoje retomando o fôlego), para Pinheiros. E foi muito logo. Em dois anos, tinha um monte de gente abrindo no bairro – do Tan Tan ao Boca De Ouro, Izakaya Matsu ao Chef Vivi, o Hirá, vish, conte aí as dezenas de opções excelentes com que o bairro conta hoje. Também veio com bom preço. Em setembro de 2012, dez anos atrás, tinha pratos a R$25,00, como me lembra meu Twitter. Na época, o preço era muito mais discrepante dos outros restaurantes franceses do que hoje, e isso ajudou a baixar a várzea que estava virando o preço médio dos cardápios inflacionados.
Agora, a outra justiça que deve ser feita é que o Le Jazz, com todo o horror que o meio foodie criou a ele, não serve comida aquém da maioria dos bistrôs de São Paulo. Sejamos francos. O cardápio não é lá tão diferente. Com alguma deferência para o Ici Bistrô (porque tem umas rãs deliciosas e ótimas asinhas de frango), outro pouco pro Vôtre Brasserie (pelas espetaculares batatas fritas), uns pratos do La Casserole, a cena de cozinha francesa de São Paulo não é assim um primor. Aliás, em muitos lugares carésimos, a comida é deprimente. E, convenhamos novamente, o público nos outros bistrôs franceses também não é tão mais adorável assim. Nalguns, trocam-se as patricinhas pelas peruas, os playboys de Vans pelos de coletinho espumado e senhores carteiradores e abraçadores de maîtres.
Claro, o Le Jazz é um hit e, algo mais difícil de conquistar, um hit já com idade para ser clássico da cidade. E quando um comércio se multiplica, é natural que ganhe ares de padronização, perca aquele tom de “é uma família de classe média baixa tocando o rolê, suando e pagando os boletos na unha”, como o foodie médio gosta de romantizar. Mas, dizia o Tom Jobim, “no Brasil, sucesso é ofensa pessoal”. Agora, imagina que, no lugar do Le Jazz, neste formato e com este público, poderia ser muito pior, poderia ser um horror, poderia ser uma espécie de Pecorino francês.
Sabendo escolher, o Le Jazz tem boa língua com purê (que o chef não me mate, mas eu sempre pergunto se dá para trocar o molho mostarda, que é mais doce, por molho au poivre) por R$56; aliás, o próprio steak au poivre é bom; steak tartare e moules et frites de bom padrão; umas tartines gostosas; hachis parmentier. Ontem comi um linguado à dorê decente (com licença para o arroz jasmim, que tava bem maomeno). Já comi errado? Já. Já comi bem? Muitas vezes.
Pela conveniência de abrir todos os dias e o dia inteiro (meio-dia à meia-noite sem parar) e ter um pote de mostarda dijon Maille à disposição de todas as mesas, e segurar o padrão do rango dentro do que promete, a comida do Le Jazz é mais do que aceitável, é um bom negócio – para eles e para nós.
*Post enquadrado na categoria “Como irritar pessoas e não comer ninguém em troca”, que é título da minha autobiografia que nunca lançarei. Volto em setembro.