DONA MARIQUITA

A Bahia é tão independente culturalmente, que transforma cantores em milionários antes que eles cheguem ao sudeste. O artista surge por lá e, quando a gente descobre por aqui, ele já está no terceiro disco, tem jatinho particular e ninguém mais aguenta ouvi-lo cantar no carnaval de Salvador. Isso porque a Bahia, além de riquíssima em todos os elementos culturais (música, teatro, dança, comida, religião, arquitetura, etc), ela se consome. E talvez seja por isso, esse orgulho e independência (e por um tanto de umbigocentrismo do sudeste) que a gente ainda trate a cozinha baiana como exótica – a gente não faz questão de se apropriar como nossa comida cotidiana, e eles não fazem questão de exportá-la, porque já se bastam.

Em Salvador, come-se muito bem, em vários lugares e tipos de bares e restaurantes. Na cozinha mais alta, está no top 5 cidades do país; na cozinha média, é top 3. E, no topo da pirâmide, está Leila Carreiro, dona do melhor restaurante de Salvador, o Dona Mariquita. Ninguém, absolutamente ninguém, cozinha e pensa melhor a comida baiana do que esta mulher. Leila é, além de baita cozinheira e mulher maravilhosa, uma enciclopédia da culinária baiana. Se a cozinha do Dona Mariquita é patrimonial, a cozinheira é um patrimônio soteropolitano por si só. Cinco minutos conversando com ela e você se sente um jumento gastronômico – eu já passei mais de hora, que vergonha. Também é estudiosa das comidas de santo e da influência do candomblé naquilo que vai à mesa – o cardápio físico do Dona Mariquita, aliás, é uma aulinha de nomes e referências, tem glossário e notas de rodapé.

A casa é uma metralhadora de detalhes e belezas: das fotos lindas penduradas na parede ao uniforme das garçonetes também lindas, a riqueza do cardápio, das descrições, o cuidado na apresentação dos pratos, as louças, os sorrisos, tudo. É autêntico e exuberante, mas não é forçado – talvez essa seja a definição da própria cidade.

Não é só o melhor restaurante de lá, é o melhor bistrô brasileiro do país (junto com o Jiquitaia, acho). É disso que se trata o Dona Mariquita, um bistrô baiano de comida boa, muito acima da média, com respeito à tradição e às técnicas culinárias, num lugar bonito, sem frescurite, mas com ar-condicionado e cerveja gelada. Obrigado.

Em duas visitas a Salvador, eu fui quatro vezes ao Dona Mariquita. Voltaria (e voltarei) muitas outras, para zerar e repetir o cardápio inteiro. A cozinha é muito consistente. De qualquer forma, aqui vai minha sugestão de sequência para quem estiver na cidade. De nada.

SIRI MOLE FRITO

Depois de sentar e pedir sua cerveja, nem precisa olhar o cardápio: é siri mole frito. Os bichinhos vêm perfeitos, inteiros, fritos com técnica digna de um izakaya – o empanamento lindo e crocante, a carne úmida. A pimenta da casa (como na maioria das casas da cidade) acompanha com louvor.

EFÓ & ACAÇÁ

Efó é um refogado de taioba com camarão defumado, dendê, amendoim e castanha de caju. É das melhores coisas que já comi no Brasil. Acaçá de leite é um “bolinho” feito de milho branco com coco, ligeiramente adocicado, que serve como acompanhamento ou para comer separado – quase como um onigiri baiano. Aqui, junto com o efó, foi combinação fruto da minha cabeça mesmo e, peço licença para um arroubo arrogante, funciona demais.

XINXIM DE MOELA

Oxinxim é o nome do método de preparo. Aqui, o de moela é uma delícia e vem em porção menor, como entrada.

CARURU DE COSME E DAMIÃO

O caruru de Cosme e Damião do Dona Mariquita é o melhor que já provei na vida e, apesar de ser servido só em setembro, eu acho (só acho) que é possível encomendar com a Leila. De qualquer forma, existe porção de caruru para pedir no cardápio e considero indispensável.

MOQUECA DE CAMARÃO COM MATURI

Come-se moqueca na cidade inteira, mas eu sou meio viciado, então peço e recomendo pedir, apesar de ser o único prato que já vi oscilar na execução (da última vez veio com pouco caldo e menos quente do que eu amo). A vantagem da moqueca aqui é: menos leite de coco e mais dendê.

PUDIM DE FAVA DE ARIDAN

Dona Mariquita compra as favas de aridan de um japonês na Feira De São Joaquim. É uma fava meio gigante, com cheiro de fruta passa (banana, figo, essas mais gordinhas), mas bem delicada. O pudim é lindo, liso e pouco doce. Vitória.

DONA MARIQUITA

Rua do Meio, 178 – Rio Vermelho – (Salvador/BA)

Instagram: https://www.instagram.com/donamariquita/ 

OTEQUE

Eu costumo anotar as coisas, porque bebo, minha memória falha aqui e ali. Mas Alberto Landgraf faz questão de me lembrar repetidamente que eu fui o primeiro jornalista a escrever sobre ele neste país, quando o Epice tinha acabado de abrir. É bem possível, até porque, na época (lá por 2011, talvez?), ele mesmo não bebia uma gota sequer de álcool. O cozinheiro que passa por lugares rígidos (Alberto passou pelo Tom Aikens, Gordon Ramsay e Pierre Gagnaire) sabe que o caminho da cachaça é perigosíssimo e muito recorrente. E a decisão de não beber, pelo menos quando se está começando a decolar, é bem esperta: o Epice abriu sóbrio e determinado a mudar o padrão do que a gente comia e, com uma cozinha minúscula, fez milagre e subiu o sarrafo da comida em São Paulo. Subiu muito. O menu de almoço que custava R$39,00 (entrada, principal, sobremesa e água grátis) às vezes tinha boudin de foie gras; à noite, servia o que hoje muita gente parece tentar emular em restaurantes recém-inaugurados. Trouxe James Lowe, ensinou um pessoal a fazer carne dry-aged, botou orelha de porco frita como entrada, criou chefs e sub-chefs que estão comandando a nova cena de comida. Fez escola.

O Epice tinha falhas, claro: uma sobremesa de abacaxi que logo saiu do cardápio, um bar completamente defasado, a decoração que não condizia muito com o DNA da comida, uma carta de vinhos que, apesar de bem escolhidinha, ainda era deficitária, não tinha um sommelier no salão. Algumas falhas foram sendo corrigidas ao longo do tempo – chegou a ter Kennedy Nascimento comandando o que, hoje, eu sei que foi o melhor bar de restaurante que esta cidade já teve. Hoje eu sei, mas é tarde demais. O Epice fechou – não sei se o Alberto falhou em São Paulo ou se São Paulo falhou com ele, mas o Epice era ouro e a gente achava pouco. Que erro. Porque enquanto procurávamos nosso nióbio, perdemos Landgraf justamente para quem? Pro Rio De Janeiro, terra que até pouco tempo atrás era um deserto de boa comida.

Se, por um lado, dói ver Landgraf a uma ponte aérea de distância, por outro, é com motivo justo: o Oteque é hoje o melhor restaurante do nosso continente e com larguíssima margem, uma vaga de estacionamento para um caminhão-cegonha entre ele e o segundo colocado, seja quem for. É meu restaurante favorito do hemisfério sul. Fui três vezes e só melhora. Na última, agora no final de setembro, não vi nada fora do lugar. Os erros do Epice estão resolvidos, a começar pelo serviço.

Com Laís Aoki e Léo Silveira no comando, ambos sommeliers, o salão está sempre um passo à frente da sua vontade e outro passo atrás da sua percepção. A água é reposta o tempo todo e os pratos são retirados em silêncio, mas com um sorriso. A explicação das bebidas vem com conhecimento pleno, mas é econômica. O serviço exala competência, só que é amável, às vezes até afetuoso, e faz um jantar importante perder a pompa do constrangimento engravatado – aquele tanto de sim que você tem que ficar repetindo e concordando. A taça é Zalto, mas não precisa falar baixo. “Hoje eu bebo vinho, mas o que eu sei, foram o Léo e a Laís que me ensinaram.”, diz o chef. Não duvido. 

Aliás, eu recomendo fortemente a harmonização de bebidas (existem duas: uma mais barata e outra mais cara, ambas ótimas). Se levar em consideração o preço de uma garrafa ali, a brincadeira sai muito mais barata e vantajosa. Além disso, você está num restaurante 3 estrelas Michelin (eu quero que se foda se o Guia ainda não se tocou disso), que investe alto para que a bebida tenha tanta originalidade quanto a comida, vale a pena pedir para que eles também escolham seu mundo ideal. É, inclusive, parte do preço que se paga pela comida e serviço, ter gente muito competente para te servir melhor do que você mesmo se serviria. E a harmonização é um primor, tem amplitude de vocabulário: começa com um sakê, passeia entre os vinhos que pautam as conversas de bar dos sommeliers moderninhos, mete um natureba radical, jorram Juras e Savoies, volta para a borgonha tradicional, solta uma cerveja da Trilha, um vinho Madeira, um Jurançon, sobe pra Espanha. Além disso, tem vinhos exclusivos que, no Brasil, só existem ali. Tem Champagne? Também tem (Chartogne Taillet). Mas, como Frank Bruni costumava dizer, a diferença entre a culinária boa e a excelente é saber exatamente o ponto em que “cremoso, amanteigado e untuoso” torna-se um bolo de gordura e parar logo antes disso. Vale para o serviço de vinhos e afins. É o melhor passeio entre bebidas que já vi no país, com o maior léxico e com nenhum tiro errado, nada menor do que impecável. 

Era meu aniversário, então também ganhei uma taça de Overnoy e uma de Gabrio Bini – eles conhecem o próprio cliente. E, se não conhecem, perguntam. A arrogância a que os restaurantes estrelados chegaram é assustadora. Por que diabos ninguém mais pergunta nada ao cliente? Lembro-me que no Frantzén, em Estocolmo, me perguntaram em que lado da mesa eu gostaria que minha cadeira estivesse (mais de frente pro salão ou pra cozinha); no Per Se, me perguntaram se eu preferia que minha cortesia fosse um Sauternes ou um Madeira velho (veja bem, a cortesia). No Oteque, em determinado momento da refeição, fui perguntado se o ritmo dos pratos estava ao meu gosto, se eu preferia mais lento ou mais rápido – que cuidado raro de ser visto.

Os pratos são trazidos pelos cozinheiros, confeiteiros, pelo Nilson (o sub-chef), pelo próprio Alberto. Seria proibitivo pagar R$550 por um menu degustação e ter um garçom do Spot que caga para a sua mesa e derrama os pratos e copos no seu colo como se fosse um Linguine de patins no final de Ratatouille; mas, tão horrível quanto, seria pagar alto para não poder desfrutar do jantar e ter que ouvir uma masterclass sobre onde os vegetais foram colhidos e como aquilo que você está comendo é valioso. Aqui, novamente, a explicação é precisa: “temos ostra, picles de maçã verde e uma emulsão de ostra”. Eu só fiquei sabendo de mais detalhes do preparo porque, depois de dar a primeira (e única) bocada, perdi, perdi feio. A ostra gorda e de sabor limpíssimo veio em contraste com um sabor de mato, grama cortada mesmo. Era chique, mas era ousado, um gosto que ninguém tem coragem de botar para jogo. Perguntei o que era. “É salsinha”, me disse o Alberto. As respostas existem, mas, como em Mad Men, o silêncio fala alto para quem quer ouvir o subtexto, e ele basta. 

O Oteque também tem um aquário próprio de ostras, que fica logo ao lado da mesa da cozinha, emulando água do mar, mas livre de quaisquer impurezas (novamente, eu que perguntei). “Foi o único jeito que eu encontrei para poder servir ostras e ter a certeza de que nenhuma pessoa passaria mal saindo daqui.” Nenhum jantar pode ser tão inesquecível quanto um jantar com ostra duvidosa. Num lugar inseguro, além de todo o processo utilizado na emulsão, o chef teria se gabado da procedência das ostras, do aquário, da salsinha, talvez tivesse falado o nome do Seu Isaías, que planta só três pés de hortaliça por estação. Dá palestra quem precisa te entregar, além do próprio prato, mais provas de que aquilo vai ser bom. Por favor, não coloque a insegurança da sua cozinha na conta dos meus ouvidos.

Depois disso, vieram beterrabas com leite de castanha, pato curado e fermento seco; um atum bluefin com maionese de peixe e caviar osetra; sardinha com foie gras e brioche, um clássico que começou lá nos tempos de Epice; camarão, pirão, vinagrete de pimenta de cheiro e azedinha; arroz de músculo com bottarga e trufa italiana; sorvete de castanha do pará crua. É tudo muito bom, muito acima da média. E é acima da média não só em gosto, mas também intelectualmente – é comida moderna, sem arroubos criativos gratuitos e, mais importante, é comida mesmo, comida de verdade, não uma ideia ou piadinha culinária que o chef pensou no banho. É possível “ter uma experiência gastronômica” (que horror) sem sofrer uma gavagem de fumaças e truques culinários, sem ter 24 passos no menu. O que chamam de experiência, eu chamo de comer bem, beber à altura, ser bem servido e, ao mesmo tempo, conseguir aproveitar a mesa, a companhia, a noite. Check.

Eu não vou passar horas superadjetivando prato a prato – isso você encontra em 20 outros blogs e resenhas. Até porque, em determinado momento do jantar, bem cedo, ali pelo terceiro prato, eu parei de anotar. Não vale a pena. No Oteque, não se comem palavras, come-se comida de quem está no topo da cadeia alimentar. E, se o Epice subiu o sarrafo do que é boa gastronomia em São Paulo, o Oteque muda a regra de novo, agora para o continente. Espero que não falhemos com ele.

*Mas quanto sai a conta inteira? Depende. Acho que quem pode pagar um duas estrelas Europa pode pagar um três no Brasil; quem pode levar a família na Fogo De Chão também pode; quem pode comprar um terno bonitinho pro casamento do amigo, também pode. Agora, se você prefere ir com a família à Fogo De Chão ou comprar um terno, você pode ir ao Oteque, mas não deve.

OTEQUE

Rua Conde de Irajá, 581 – Botafogo, Rio de Janeiro

Telefone: (21) 3486-5758

Instagram: https://www.instagram.com/oteque_rj/

METZI

A pantone de sabores mexicanos aqui em São Paulo sempre foi pastel – com exceção de Dona Lourdes Hernández, da antiga Casa Dos Cariris, onde comi uma só vez. Quando não é pastel, é aquele alaranjado Clicquot, que colore o diesel que chamam de cheddar nas franquias tex-mex. No, Señor! Gracias.

Daí eu fui ao Metzi, o pico mexicano de comida meio Cosme NYC de Pinheiros (parece que o pessoal trabalhou lá mesmo). E é bom. Sólido. Tá tudo lá. É bom sim. Bem gostoso. Nota 8 da Kogut.

Digo isso repetidamente porque um lugar não precisa ser espetacular para ser bom. E, se o preço é condizente (como é no caso do Metzi, em que se pagam justos 180 reais por um menu degustação que envolve matéria prima cara e bem trabalhada), vale a pena. O salpicão de peixe e polvo, ele sim, é mais que bom, bem mais – e é estranho, funky, intenso, adulto… delicioso. O “camarão, chorizo, huatape e mojo de ajo” também é bem acima da média. O mole verde com brócolis e castanha (uma óbvia importação do Cosme) é direito, como é também o guacamole: gostoso, mas padrão, na média… tipo “Pegaria? Ah, pegaria”. A barbacoa de cordeiro também é saborosa (mais que o caldo dela). Os molhos de pimenta são blasés e esquecíveis – dá para botar uma colher de chá e passar despercebido. Os pratos são lindos, o esquema permite compartilhar, a mesa vai bem. As sobremesas, eu passo.

No que não diz respeito à comida, o Metzi é mediano: as cadeiras são marromeno, o ambiente é quente (26ºC confirmados graças ao medidor de temperatura e umidade do Alex), a música é meio alta e, por vezes, chatinha, um coquetel pode ser bem gostoso (Paloma) e, em seguida, outro pode ser bem doce (Tequilita). Há poucos vinhos, todos de uma só importadora, Uva Vinhos, como eles fazem questão de informar (sabe Deus por quê). O ritmo dos pratos também é estranhamente super rápido. Termina de comer um, chega outro e outro… Está tudo um passo antes do incômodo. Não é, mas é quase. Já o serviço é ágil, discreto e simpático, a mesa está sempre limpa, a garçonete tem senso de humor.

O Metzi é bem vindo. Come-se bem. Mas me venderam como se, nossa, alguém tivesse trazido Oaxaca na mala – ouvi gente que preferiu o Metzi ao Cosme (não duvido e o hype é parecido). A sensação é como a que tive com “Parasita”, que é um filme divertido, bem feito, bem atuado e com bons momentos. Ele nada sozinho numa piscina com 8 raias, portanto é ouro na categoria. Mas não justifica essa gritaria toda.

Instagram: @metzirestaurant

Rua João Moura, 861, Pinheiros

LE FIGADO EXPRESS 02

O QUE ESTAMOS BEBENDO?

Frappato COS (Wines4U, R$215)

A Sicília é o lugar a que eu gosto de recorrer quando quero beber algo aborgonhado sem esfolar o bolso. Em geral, os Nerello Mascalese do Etna é que oferecem esse serviço de suplente geográfico para quem não pode gastar um Fiat Elba numa garrafa, mas o Frappato da COS, um pouco mais ao sul da ilha, cumpre perfeitamente. Eu sou muito partidário (e parcial na avaliação) de tintos leves, e gosto porque este é um vinho para iniciados e iniciantes (eu já apresentei com sucesso para, vejam só, Carlinhos Maia). É descomplicado, porém delicioso e cheio de estilo, não faz feio com ninguém. Com o verão do sacripantas que se aproxima, eu já deixaria engavetado na adega, ali junto dos brancos.

O QUE ESTAMOS COMENDO?

Art & Richies (@artandrichies

Vou ser sucinto: nada, absolutamente nada, do que eu comi da Art & Richie’s foi menos do que excelente. Do Patê En Croute de galinha d’angola com foie gras e pistache à rillette de pato e a terrine de coelho com ameixas, as salsichas e o boudin blanc, a espetacular mostarda caseira. Charcutaria e conservas de altíssimo padrão.

Alerta: eu vou desejar duas doenças venéreas para cada Robert que vier me perguntar (favor ler fazendo aquela voz de idiota com a boca torcida) “Mas é melhor que A Table Charcutaria?”. Gente que vive de comparação não vive de prazer. Em tempo, os dois são muito, mas muito, bons.

O QUE ESTAMOS VOMITANDO?

Nathans’ Famous Hot Dog, essa importação mais desnecessária que o Benihana, poderia ter ficado em Coney Island, custando 2 dólares. É um lixo? Não. Vale a pena? Também não. Salsicha numa bisnaga safada, com ketchup e mostarda. Para não ser injusto, o corn dog e a mostarda que veio com ele estavam direitinhos (e apenas direitinhos). O resto, pode prestigiar o pessoal da Seara mesmo, que cê sai no lucro.

O QUE ESTAMOS LENDO?

Cocktail Culture Has a Nostalgia Problem

Artigo da Punch, enviado pelo Bernardo, que versa sobre o fetiche da indústria coqueteleira por um formato único, enquadrado num só curto período da história etílica, e que limita o progresso da própria indústria. Talvez, isso que a gente chama de “coquetelaria clássica” seja mais uma zona de conforto do que exatamente um indicativo de excelência.

https://punchdrink.com/articles/cocktail-culture-has-a-nostalgia-problem/?utm_campaign=later-linkinbio-punch_drink&utm_content=later-19351142&utm_medium=social&utm_source=linkin.bio

O QUE ESTAMOS OUVINDO?

quickly, quickly – The Long And Short Of It

Indicação do Léo, amigo de muito bom gosto musical, saiu esta semana e é o melhor disco do ano até agora, com folga. Que raro é o equilíbrio entre a pouca obviedade e a naturalidade – as pinceladas de estranheza e quebra de tempo são conscientes, sem parecer um “olha como eu faço loucurinhas”. É desconcertante e, ao mesmo tempo, fácil de ouvir. De nadinha.

RESTAURANTE CAIS (nem sempre um restaurante é um restaurante)

No mundo ideal, os vinhos viriam com um “modo de usar” esperto, tipo “abre no almoço com seu tio que só gosta de cerveja vagabunda”, “compre caso não saiba se vai cozinhar frango ou boi”, “a beira da piscina é o ambiente ideal”. Mas não, em vez disso, fazem enoastrologia, te contam coisas que não farão a menor diferença na vida, na ocasião, no prazer, é só frase de efeito para concordar. Se um rótulo (ou mesmo um sommelier) te diz “a boca amanteigada é resultado dos 6 meses de barrica e o floral do nariz é aportado pela gewurztraminer” é a mesma coisa que um jovem místico falar “é… libra é mais em cima do muro mesmo, e o ascendente em escorpião é que dá essa coisa sensual em você”. Sabe o que acontece depois disso? Você diz “é verdade”, ou “olha, vou até prestar atenção”. Ou seja, NADA. 

Da mesma forma, a gente costuma usar os lugares segundo a instrução inicial basicona. Alguns, porém, têm mais de uma vocação – e às vezes, a vocação secundária funciona mais do que a da bula. 

No Restaurante Cais, lugar lindo na fronteira de Pinheiros e Vila Madalena, eu voto a favor da segunda via. É um restaurante, claro, o nome evoca diretamente a cozinha focada no mar, mas o que me parece mais vantajoso é usá-lo com um bar de vinhos – até porque a cidade é bastante deficitária na categoria. Um lugar com 6 tipos de Jerez e mais 5 vinhos orgânicos/naturais/biodinâmicos à disposição por copo, todos gostosos (eu disse todos) e com a cara do sommelier, é mais do que a maioria dos ‘bar à vin’ consegue oferecer. 

Da primeira vez que fui, almocei no salão, comi o cardápio quase inteiro, e bebi uma garrafa. Ontem, fui com quatro pessoas, cheguei mais cedo, tomei uma Manzanilla (Romate) e um Riesling (Pfaffman), antes dos amigos chegarem. Depois, veio uma garrafa de Muscadet, quatro entradas, outro vinho (nem me lembro qual), mais duas entradas, uma rodada de Trebbiano On The Rocks (Era Dos Ventos), pão, mais uma taça de riesling, dois cafés e a conta, isso tudo numa “mesa” com quatro banquetas altas, entre a varanda e o salão. Caralho, se isso não é a perfeita dinâmica de uma noite num bar de vinhos…

E, se elogio o esquema de vinhos, é obrigatório dizer que a comida do Cais é excelente e chama a mesa pro lugar em que ela mais cabe: o compartilhamento. Mesmo os pratos principais chegam com cara de que aquilo poderia ser dividido em duas, três, cinco pessoas. O pastel de siri é delicioso (com molho de pimenta que deixa Ivan Marchetti constrangido), o vinagrete de polvo é ótimo e o mini polvo com romesco idem. Que o Adriano (chef e dono junto com o Guilherme) não me odeie, mas é mandatório chegar e perguntar se tem bochecha de peixe – nunca está no cardápio, mas é o que comi de melhor em todas as vezes que fui. Vem salteada na manteiga noisette (uma vez com rabanetes, outra com alcaparras). Chora e chama no país basquinho, neném.

O Cais é mais inteligente do que eu pensava – nem sei se eles pensam que é isso que eu estou falando. No fundo, bares e restaurantes legais são feitos assim, com liberdade para que o frequentador aproveite da maneira que melhor lhe couber. Espero que caiba assim a mais alguém, além de mim.

INSTAGRAM: @restaurantecais

R. Fidalga, 314 – Vila Madalena, São Paulo

Telefone(11) 3819-6282

SÃO CARLOS LANCHES

Desde que comecei a seguir a São Carlos Lanches no Instagram, há pouco mais de uma semana, por indicação da Nina Bastos, não houve um dia sequer em que eu não senti vontade de pedir um x-salada para jantar. As fotos são bonitas e deixam claro: não há como aquilo não ser uma delícia. Lanches prensados, como se fazia em Londrina, na minha adolescência, alface fresca e verdona, tomate em cubos (por favor, problematizem o tomate em rodelas cortadas na enxada, que sai de uma vez na mordida, zoa o lanche e derruba recheio na sua calça), maionese a rodo, batatas bonitas, ingredientes em proporções coerentes uns com os outros, segue lá que você entende (@saocarloslanches)

Pedi ontem. E não pretendo pedir nunca mais. Mas a culpa é minha. O lanche, como previa, é uma delícia, bem feitíssimo, hambúrguer prensado com ponto rosado, grande, a maionese verde é excelente, tá tudo lá. Porém, a São Carlos Lanches fica na Vila Mariana, a 7km aqui de Pinheiros e, como não tem espaço físico e não tenho carro para retirada, o jeito é pedir por delivery. Nos amenos 17 graus que faziam ontem, o lanche obviamente chegou frio, o pão deu uma umedecida e a batata entristeceu. Foi tipo um show do Guns com o Axl gordo – o tempo transcorrido tende a ser grande inimigo da performance.

É provavelmente o melhor lanche prensado que comi em São Paulo, o único feito com esmero, montado e embalado bonitão, comida com gosto de comida, o upgrade daquilo que antecedeu os food trucks feito de maneira muito mais acertada do que os food trucks que vimos na última década tentaram. Mas, pelos salgados R$16 reais cobrados de taxa de delivery (que, quando anunciou a “saída para entrega”, estava na Rua Augusta, o que me faz pensar que meu lanche ainda deu uma rodada boa pela cidade antes de chegar aqui, depois de 40 ou 50min), fui obrigado a chorar baixinho, resignado, e entender que feliz mesmo é quem mora perto da São Carlos Lanches e pode comer aquele x-salada em sua fase plena, como não tive a sorte.